1 a 5 de Março de 2010 no Teatro Lethes (iniciativa TMF - Carta Branca a Anabela Moutinho)

Dia 1 21h30 Wendy & Lucy Kelly Reichardt, EUA, 2008, 80' escolha de Ricardo Vieira Lisboa

Dia 2 21h30 Luz Silenciosa Carlos Reygadas, México, 2007, 136' escolha de Carlos Natálio

Dia 3 21h30 Tetro Francis Ford Coppola, EUA, 2009, 127' escolha de Chico

Dia 4 21h30 Vem e Vê Elem Klimov, URSS, 1985, 145' escolha de Victor Afonso

Dia 5 14h30 História(s) do Cinema Jean-Luc Godard, França, 1998, 268' escolha de Cristina Marti

Dia 5 21h30 Mesa-Redonda com os 5 bloggers

domingo, março 6


no palco
anabela moutinho, ricardo vieira lisboa, cristina marti, carlos natálio
no ecrã (via skype)
victor afonso, chico

fomos poucos, mas bons! uma conversa franca, despreconceituada, divertida, profunda, descomplexada, com afinidades e divergências...

tiraram-nos mais fotos, quando me chegarem talvez volte aqui. por enquanto esta, como pretexto para um balanço final.

desde já o meu obrigado ao tmf, pelo convite, mas muito especialmente aos bloggers que aceitaram o repto e se portaram exemplarmente - na rapidez das respostas, no envio dos seus textos para folhas de sala, na presença, física ou virtual, no Teatro Lethes, na abertura e simpatia e empenho.

conclusões?

que o tema é infindável, tal como a blogosfera enquanto tal.

que há que cuidar da filtragem e de critérios apertados para destrinçar os blogs de cinema que valem a pena daqueles outros, muitos, que não merecem o nosso tempo.

que os bons blogs de cinema são uma via alternativa aos canais institucionalizados de crítica cinematográfica e de formação de público para cinema, seja ao nível da reflexão sobre ele, seja ao de partilhar filmes que, de outra forma, são invisíveis.

que os blogs podem servir não só para subverter o status quo, mas para o inverter, no sentido em que o leitor já não tem que procurar a informação consistente e abalizada, mas sim de a encontrar.

que os blogs não substituem necessariamente outros meios de promoção do cinema, mas lhes são complementares.

que os blogs são sempre pessoais por serem sempre públicos.

que, enfim, tais públicos transmutam-se e são díspares, mas existem: o cinema está e continua aí, como força motriz, industrial mas essencialmente artística, da cultura e das culturas grosso modo, e das comunidades cinéfilas, em particular.

foi um gosto. obrigada a todos.

sábado, março 5

mesa-redonda com os 5 bloggers

TEATRO LETHES, SÁBADO, DIA 5 DE MARÇO, 21H30, ENTRADA LIVRE

Carlos Natálio, 30 anos, nasceu em Lisboa e mora na Portela de Sacávem. É licenciado em cinema (Escola Superior de Teatro e Cinema) e também em Direito (Faculdade de Direito de Lisboa). Nos últimos anos, após a conclusão da licenciatura em cinema estagiou no Departamento de Programação da Cinemateca Portuguesa e foi bolseiro INOVART em Amesterdão onde desenvolveu junto da VISIONAT Media, uma produtora de cinema, as actividades de investigação e formação em novos métodos de distribuição cinematográfica numa lógica «do it yourself». De momento, frequenta o mestrado na Universidade Nova em Ciências da Comunicação - Ramo Cultura Contemporânea e Novos Media. Tem o blog Ordet desde 2009. Colaborou também como crítico de cinema para o site www.c7nema.net entre 2002 e 2009.

Chico, 36 anos, é natural e reside em Sobral de Monte Agraço. Técnico de Compras numa empresa de aviação. O seu blog My One Thousand Movies tem dois anos e meio e já disponibilizou mais de 2700 filmes. Teve vários blogs desde 2002, mas este é o que único que tem durado, em parte por causa do feedback. Tem neste momento outro, sobre um jogo de futebol online (sunday-league.blogspot.com).

Cristina Marti, 44 anos, nasceu e vive no Porto onde trabalha em artes gráficas (na tarefa técnica de preparar os trabalhos antes de irem para a gráfica). O blog Dias Felizes, que mantém com Rui Manuel Amaral, foi criado em finais de 2004. Antes disso participou num blogue colectivo chamado janela indiscreta que pertenceu à primeira ou segunda leva de blogues portugueses.

Ricardo Vieira Lisboa, 20 anos, de Lisboa, jovem universitário. O seu blog Breath Away tem três anos de existência e passou por várias fases, mas anda estável há quase um ano e meio, com uma média de 2 publicações por semana e algumas rubricas recorrentes que dão muito prazer ao autor.

Victor Afonso, 41 anos, natural do Sabugal, residente na Guarda. Professor de Educação Musical. Há dez anos que se dedica a tempo inteiro à Programação Cultural e coordena, há 5 anos, o Serviço Educativo do Teatro Municipal da Guarda. É músico (projecto Kubik) e foi jornalista freelancer em matéria de assuntos culturais durante 15 anos. É autor do blog O Homem Que Sabia Demasiado desde Novembro de 2007, dedicado a uma grande diversidade de temas culturais, com especial enfoque no cinema, música e literatura.

sexta-feira, março 4

post de 1 de 5 bloggers: Um mundo de acordo com os nossos desejos

(da senhora que me deu a ideia deste blog)



(texto de folha de sala já publicado aqui)

post de 1 de 5 bloggers: histoire(s) du cinéma #17

(da senhora que me deu a ideia deste blog)

JLG En faisant lire ce poème, il y a beaucoup de réflexions qui me sont venues, qui existaient peut-être chez d'autres, mais qui pour moi sont venues tout à coup. J'ai compris que Baudelaire, en fait, au moment où il écrivait ce poème ce n'était pas par hasard et que ça décrivait le cinéma... Même finalement au niveau du texte... Un moment il dit «passer sur nos esprits tendus comme une toile, vos souvenirs avec le cadre d'horizon», mais oui, c'est l'écran du cinéma aussi, il ne l'avait jamais vu, mais il l'avait prévu si l'on peut dire. C'est pourquoi j'ai fait redire ce poème à Michel Piccoli, lorsqu'on a réalisé avec A.M. Miéville 2 X 50 ans de cinéma français, quand Piccoli, qui est le chef de la commémoration, découvre tout à coup que Baudelaire en réalité annonçait le cinéma. Ou que (ler)

a blogger escreve sobre o filme que escolheu: HISTÓRIA(S) DO CINEMA

TEATRO LETHES, SÁBADO, DIA 5 DE MARÇO, 14H30, 3€

UM MUNDO DE ACORDO COM OS NOSSOS DESEJOS

Talvez se possa afirmar que as conferências-projecções-viagens de Montreal, realizadas em finais dos anos setenta, foram a causa mais próxima de História(s) do cinema: construir uma história a partir do interior do cinema, com as suas próprias imagens, umas depois das outras; obrigar o cinema a agir, a marcar o seu território, mesmo numa altura em que o perdia ou já o perdera.

Mas se o projecto pode ser ancorado aí, o método operativo vem de trás. Desde sempre, como nenhum outro, Godard incorporou nos seus filmes a matéria cinematográfica. O desprezo (1963), por exemplo, não é apenas a história de Paul e Camille, não é apenas um documentário sobre o corpo de Brigitte Bardot, é também a impossibilidade de Fritz Lang filmar A odisseia — o fim de uma época.

Há mil e um caminhos para entrar nas História(s) do cinema de Jean-Luc Godard. E isto não é uma maneira de dizer, é uma imagem. Ora aí está: o objecto primeiro, ou então, corrija-se a ordem, o objecto último, uma criação pura do espírito. “São Paulo dizia ‘a imagem virá no tempo da Ressureição’. E então veio Roma, cidade aberta.” Godard

O tom é poético — uma elegia dir-se-ia, o elogio —, mas a construção é arquitectónica. Imaginemos, seguindo as suas palavras, que Godard ergue as paredes de uma casa: quatro paredes, quatro capítulos duplos, quatro materiais (imagens, palavras, música e ruídos).

Uma casa labiríntica, cheia de quartos abandonados, corredores sombrios, passagens secretas (cada imagem guarda em si uma força formidável mas “uma imagem nunca está sozinha”, diz Godard). Entre livros e filmes, entre a máquina de escrever e a mesa de montagem, dentro da memória (do mundo, do cinema, de si próprio), Godard pratica esse sentido especial de aproximação e do acordo: aproximar as coisas que nunca foram aproximadas e não pareciam predispostas a sê-lo.

Quando juntamos uma imagem a outra imagem a um som ou a uma palavra qualquer coisa acontece: reconstituimos a memória de algo que nunca existiu (fazer uma descrição precisa daquilo que não aconteceu é o trabalho do historiador), criamos uma linha de pensamento inesperada (um pensamento que forma uma forma que pensa).

Um olhar que não analisa nem explica, que recompõe. A história, as histórias com um “s”, todas as histórias que existissem, que existirem ou que existissem? Que existiram. O cinema como projecção de todas as histórias que existiram. É um plano diabólico? Sim, maravilhosamente diabólico. Facilis descensus averno.

Cristina Marti

Cristina Marti, 44 anos, nasceu e vive no Porto onde trabalha em artes gráficas (na tarefa técnica de preparar os trabalhos antes de irem para a gráfica). O blog Dias Felizes, que mantém com Rui Manuel Amaral, foi criado em finais de 2004. Antes disso participou num blogue colectivo chamado janela indiscreta que pertenceu à primeira ou segunda leva de blogues portugueses.


FICHA TÉCNICA
Título original: Histoire(s) du Cinéma
Título português: História(s) do Cinema
Realização: Jean-Luc Godard
Todas as histórias, 1988, 51’
Uma história só, 1989, 42’
Só o cinema, 1997, 27’
Fatal beleza, 1997, 29’
A moeda do absoluto, 1998, 27’
Uma vaga nova, 1998, 27’
O controlo do universo, 1998, 28’
Os signos entre nós,1998, 37’
Origem: França
Anos: entre 1988 e 1998
Duração total: 268’

quinta-feira, março 3

post de 1 de 5 bloggers: histoire(s) du cinéma #16

(da senhora que me deu a ideia deste blog)



JLG (...) pour le dire simplement je n'ai pas un discours de savoir encyclopédique qui résumerait en disant j'ai voulu faire ceci ou j'ai fait cela. Pas du tout... C'est huit films réunis en un seul, les deux ensemble. C'est venu comme cela. Mais c'est huit chapitres d'un film qui pourrait en comporter des centaines de plus et surtout des annexes, comme des notes en bas de page qui sont souvent plus intéressantes à lire que le texte lui-même... C'est un grand livre, avec huit chapitres principaux, et cette disposition n'a pas bougé en dix ans. C'était une espèce de lumignon pour éclairer, dire on va dans cette direction, «Fatale Beauté» ce n'est pas disons «Le Contrôle de l'univers»... Pourquoi huit, ou plutôt quatre, avec des A et des B, parce qu'il y a quatre murs dans une maison, des trucs aussi naïfs.

YI Les coupes transversales ou verticales que vous avez faites pour constituer cet (ler)

o blogger escreve sobre o filme que escolheu: VEM E VÊ

TEATRO LETHES, 6ªF, DIA 4 DE MARÇO, 21H30, 3€

É um dos mais impressionantes filmes de guerra jamais realizados. Chama-se "Vem e Vê" (título retirado do livro do Apocalipse) e foi realizado pelo russo Elem Klimov em 1985. Klimov nunca mais voltou a realizar depois desta obra. Porquê? Simplesmente porque, segundo o próprio, tudo o que tinha a dizer disse-o neste brutal documento sobre a segunda guerra mundial. E assim é.

A história é a de um adolescente (um rapaz de 16 anos) que testemunha os horrores Nazis cometidos em aldeias da Bielorússia (dizimaram 600 aldeias!). Uma descida total, frenética e sem concessões aos abismos da mais pura loucura que nem o Coronel Kurtz em "Apocalypse Now" terá experienciado. Uma descida aos infernos de pura alucinação e horror psicológico derivados da violência e do desespero presenciado pelo ingénuo rapaz. E não se trata de mera ficção, uma vez que "Vem e Vê" parte de um episódio verídico ocorrido durante a segunda Guerra Mundial.

Foram usados uniformes verdadeiros e munição real, para acentuar o realismo do filme, e quase toda a película foi filmada com recurso a "Steadycam" (incrível trabalho de câmara), fazendo parecer que a câmara se cola permanentemente à acção e aos personagens. O protagonista Florya (interpretado por um espantoso actor de nome Alexei Kravchenko) tenta fugir dos horrores sem deles conseguir escapar. Kravchenko tem, aqui, uma das mais incríveis interpretações do cinema levadas a cabo por um adolescente. O terror está estampado no rosto como que se fosse esculpido de angústia e perplexidade. O jovem passou por verdadeiras privações durante a rodagem do filme, de tal forma que o realizador Klimov quis hipnotizá-lo, nas cenas mais violentas, para não as não presenciar! O jovem actor recusou.

Há outros elementos fulcrais no filme que o tornam único. A primeira metade do filme lembra "A Infância de Ivan" (1962) de Tarkovski, sobretudo nas sequências na floresta, plenas de lirismo visual filmadas em plano-sequência com uma brilhante fotografia. A segunda metade do filme, quando a violência desponta e o desnorte se apodera do jovem, entramos num patamar de demência raramente vista em filmes de guerra. A música original é densa e claustrofóbica e o trabalho de sonoplastia é de pura mestria (como quando o Florya fica surdo devido a uma explosão: o som que ouvimos é um som cavo e filtrado, tal e qual o que o protagonista sentia).

E depois, depois há o final. Um final absolutamente surpreendente e apocalíptico, que não deixa margens para dúvidas: Elem Klimov fez um filme para denunciar a tragédia do Holocausto e revelar ao mundo a pura e dura natureza malévola do homem. Esse final, de alguns minutos sufocantes, é constituído por momentos de grande tensão dramática, com o jovem Florya, possesso de raiva, rosto envelhecido e revoltado perante as atrocidades que não compreendia, dispara contra um quadro de Hilter estendido no meio da lama. Ouve-se o "Requiem" de Mozart e vemos as imagens de arquivo da ascensão do Nazismo fazerem um retrocesso no tempo, ao ritmo dos disparos de Florya. "Vem e Vê" é uma experiência de cinema verdadeiramente arrebatadora e difícil de suplantar. E será certamente um dos melhores filmes de guerra jamais feitos. Uma obra-prima de rara beleza estética, artística e de inequívoca grandeza documental/histórica.

Victor Afonso

Victor Afonso, 41 anos, natural do Sabugal, residente na Guarda. Professor de Educação Musical. Há dez anos que se dedica a tempo inteiro à Programação Cultural e coordena, há 5 anos, o Serviço Educativo do Teatro Municipal da Guarda. É músico (projecto Kubik) e foi jornalista freelancer em matéria de assuntos culturais durante 15 anos. É autor do blog O Homem Que Sabia Demasiado desde Novembro de 2007, dedicado a uma grande diversidade de temas culturais, com especial enfoque no cinema, música e literatura.



(trailer sem som por problemas de direitos)
FICHA TÉCNICA
Título Original: Idi i smotri
Título português: Vem e Vê
Realização: Elem Klimov
Argumento: Ales Adamovich, Elem Klimov
Direcção de Fotografia: Alexey Rodionov
Música: Oleg Yanchenko
Montagem: Valeriya Belova
Interpretação: Alexey Kravchenko, Olga Mironova, Lyubomiras Lautsyavitchus, Vladas Bagdonas, Yurs Lumiste, Victor Lorents, Kazimir Rabetsky, Evgheniy Tilicheev, Alexander Berda
Origem: URSS
Ano de Estreia: 1985
Duração: 145’

quarta-feira, março 2

o blogger escreve sobre o filme que escolheu: TETRO

TEATRO LETHES, 5ªF, DIA 3 DE MARÇO, 21H30, 3€

Logo no início desta obra hipnotizante de Francis F. Coppola, um jovem no seu caminho para se encontrar com o excêntrico irmão mais velho, caminha por uma rua obscura, passando por um muro pintado com graffitis. O cenário é Buenos Aires, não Tulsa, e o resultado é grandioso.

É impossível não fugir à evocação de Rumble Fish, o outro filme de Coppola filmado a preto-e-branco desde que se tornou famoso, e um dos mais experimentais e ousados que ele dirigiu no âmbito do sistema dos estúdios de Hollywood - não pode ser uma coincidência. Tetro é, de certo modo, um primo temático e espiritual de Rumble Fish, e outro conto de um jovem que idolatra o irmão mais velho e anseia pelo seu contacto mais do que devia.

Tetro, baseia-se no primeiro argumento original de Coppola desde 1974, em "The Conversation", e é um trabalho ainda mais teatral e sonhador. Bennie, de 18 anos de idade (o extremamente talentoso Alden Ehrenreich), um empregado de mesa de um cruzeiro , chega à Argentina para procurar o seu irmão Angelo (Vincent Gallo), que fugiu de casa para escapar ao tratamento rigido do pai controlador (Klaus Maria Brandauer), e nunca mais voltou.

Angelo, que agora se auto-intitula Tetro (uma versão abreviada do sobrenome da família), não fica totalmente satisfeito ao ver o irmão mais novo . Vivendo no exílio com a sua paciente namorada (a maravilhosa Maribel Verdu), Tetro não quer ter nada a ver com a sua antiga personalidade. Um escritor fracassado com uma peça inacabada, e alguns segredos escondidos, preferindo agora manter o seu passado enterrado.

Youth Without Youth, o filme anterior de Coppola, tinha marcado o fim do seu retiro auto-imposto, e Tetro é quase uma nova vida para um dos maiores realizadores de todos os tempos, que neste negócio do cinema, já viu o Céu e o Inferno.

Chico

Chico, 36 anos, é natural e reside em Sobral de Monte Agraço. Técnico de Compras numa empresa de aviação. O seu blog My One Thousand Movies tem dois anos e meio e já disponibilizou mais de 2700 filmes. Teve vários blogs desde 2002, mas este é o que único que tem durado, em parte por causa do feedback. Tem neste momento outro, sobre um jogo de futebol online (sunday-league.blogspot.com).


FICHA TÉCNICA
Título original: Tetro
Título português: Tetro
Realização: Francis Ford Coppola
Argumento: Francis Ford Coppola
Direcção de Fotografia: Mihai Malaimare, Jr.
Montagem: Walter Murch
Música: Osvaldo Golijov
Interpretação: Vincent Gallo, Alden Ehrenreich, Maribel Verdú, Klaus Maria Brandauer, Carmen Maura, Rodrigo De La Serna, Leticia Bredice, Mike Amigorena, Sofía Castiglione, Érica Rivas
Origem: EUA/Itália/Espanha/Argentina
Ano de Estreia: 2009
Duração: 127’

terça-feira, março 1

o blogger escreve sobre o filme que escolheu: LUZ SILENCIOSA

TEATRO LETHES, 4ªF, DIA 2 DE MARÇO, 21H30, 3€ (passe para os 5 filmes 10€)


Stellet Licht: a renovação de um milagre

A captação e retrato do movimento, uma obsessão marcante do Sec. XIX que teve o condão de unir cépticos e místicos em torno de inúmeras aparelhagens e técnicas, deixou perceber que o filão de onde nasceria o cinema revestiria na sua génese um ideal aglutinador: a ilusão de pôr a humanidade a ver a vida tal qual ela era. Se isso é um facto e sobre ele se aplicou à sétima arte o estatuto de arte popular, de massas, de fenómeno artístico do «mais um», também é verdade que no seu interior o cinema conteve sempre a génese da sua destruição, ou por outra, o momento fracturante em que o «um» recusa ser «mais um» e luta pelo estatuto de «outro».

O famoso final de Ordet, de Carl Dreyer, (1955) expressamente recriado em Stellet Licht, de Reygadas (2007), é um desses momentos. A «ressurreição» de Inger é um instante da História do Cinema que separa as águas e permite identificar quem «está com o cinema» e quem não está, quem incorpora, não sem dificuldade, os limites da descrença, do milagre, do descrédito, que trazem o cinema para dentro de um espaço onde o pensamento remói, reestrutura, transforma a identidade daqueles que o vêem.

Neste sentido, mais do que uma homenagem de Reygadas ao mestre dinamarquês e mais do que o exercício intelectual de perceber se é a comunidade Menonita mexicana (a comunidade anabatista com origem prussiana na época da Reforma que Stellet retrata) que potencia um ambiente apropriado para um «remake» da obra de Dreyer ou vice-versa, o importante é identificar o ponto de tensão de um filme de ritmo tão cerimonial. Stellet Licht enquadrado entre duas majestosas sequências do nascer e morrer de um dia, vive sempre na «angústia», na luta silenciosa, entre aquilo que é e aquilo que quer representar.

O que é que Stellet é? É o drama rural de Johan e da sua escolha entre duas mulheres, a esposa, Esther e a amante, Marianne, escolha entre a fé e a carne, o sagrado e o profano, o tema de Dreyer por excelência.

O que é que Stellet representa? Aqui é mais complicado avançar uma resposta. O filme de Reygadas, talvez represente o desejo de renovação de um «milagre». «Milagre» do cinema contemporâneo na potencialidade de fracturar esquemas sensoriais dominantes, na sua capacidade de parar o tempo, (como Johan que pára o relógio para o filme começar) e, ao contrário do que diz Marianne a Johan, ser capaz de «voltar atrás». Mas esse olhar para trás não nasce de uma imobilidade purista e nostálgica mas sim de necessidade de introduzir momentos de retrospecção que questionam, que tornam tortuosa a marcha triunfante que parece só levar o cinema em frente.

E essa luta apresentação/representação multiplica-se em vários pontos atravessando todo o filme. Os seus personagens representam, mas a stillness da sua direcção de actores ordena-lhes que, paradoxalmente, apenas sejam. A mise-en-scène decide representar o naturalismo da desordem (o affair), apresentando-o num contexto de simetria, quase autista, dos seus planos e composições. Depois, a apresentação do poder dos corpos - particularmente a ressurreição, «deus ex machina» final, que se converte num verdadeiro «deus ex corpo», o corpo da salvadora Marianne, na resolução do dilema da transcendência que o filme representa. E ainda os movimentos de câmara, particularmente os seus zooms lentos e planos fixos que ao «tremerem» na sua presença humana, representam o feixe de acções ritualistas, ora no pequeno-almoço ora no amor, mas nunca abandonam uma vontade primitivista, dir-se-ia, de comunicar. O espectador sente que Reygadas esteve lá, sempre lá. E a «need to feel» que Johan confessa ao pai que motivou o seu affair é também a nossa. Necessidade de sentir, é isso que o filme nos deixa como herança. Herança hoje cada vez mais, simultaneamente, leve e pesada.

Carlos Natálio

Carlos Natálio, 30 anos, nasceu em Lisboa e mora na Portela de Sacávem. É licenciado em cinema (Escola Superior de Teatro e Cinema) e também em Direito (Faculdade de Direito de Lisboa). Nos últimos anos, após a conclusão da licenciatura em cinema estagiou no Departamento de Programação da Cinemateca Portuguesa e foi bolseiro INOVART em Amesterdão onde desenvolveu junto da VISIONAT Media, uma produtora de cinema, as actividades de investigação e formação em novos métodos de distribuição cinematográfica numa lógica «do it yourself». De momento, frequenta o mestrado na Universidade Nova em Ciências da Comunicação - Ramo Cultura Contemporânea e Novos Media. Tem o blog Ordet desde 2009. Colaborou também como crítico de cinema para o site www.c7nema.net entre 2002 e 2009.



FICHA TÉCNICA
Título original: Stellet Licht
Título português: Luz Silenciosa
Realização: Carlos Reygadas
Argumento: Carlos Reygadas
Direcção de Fotografia: Alexis Zabe
Interpretação: Cornelio Wall, Miriam Toews, Maria Pankratz, Peter Wall, Elizabeth Fehr, Jacobo Klassen, Irma Thiessen, Alfred Thiessen, Daniel Thiessen, Utje Loewen, Jackob Loewen, Elisabeth Fehr, Gerardo Thiessen
Montagem: Natalia Lopez
Origem: México/ França/ Holanda/ Alemanha
Ano de Estreia: 2007
Duração: 136’