
A história é a de um adolescente (um rapaz de 16 anos) que testemunha os horrores Nazis cometidos em aldeias da Bielorússia (dizimaram 600 aldeias!). Uma descida total, frenética e sem concessões aos abismos da mais pura loucura que nem o Coronel Kurtz em "Apocalypse Now" terá experienciado. Uma descida aos infernos de pura alucinação e horror psicológico derivados da violência e do desespero presenciado pelo ingénuo rapaz. E não se trata de mera ficção, uma vez que "Vem e Vê" parte de um episódio verídico ocorrido durante a segunda Guerra Mundial.
Foram usados uniformes verdadeiros e munição real, para acentuar o realismo do filme, e quase toda a película foi filmada com recurso a "Steadycam" (incrível trabalho de câmara), fazendo parecer que a câmara se cola permanentemente à acção e aos personagens. O protagonista Florya (interpretado por um espantoso actor de nome Alexei Kravchenko) tenta fugir dos horrores sem deles conseguir escapar. Kravchenko tem, aqui, uma das mais incríveis interpretações do cinema levadas a cabo por um adolescente. O terror está estampado no rosto como que se fosse esculpido de angústia e perplexidade. O jovem passou por verdadeiras privações durante a rodagem do filme, de tal forma que o realizador Klimov quis hipnotizá-lo, nas cenas mais violentas, para não as não presenciar! O jovem actor recusou.
Há outros elementos fulcrais no filme que o tornam único. A primeira metade do filme lembra "A Infância de Ivan" (1962) de Tarkovski, sobretudo nas sequências na floresta, plenas de lirismo visual filmadas em plano-sequência com uma brilhante fotografia. A segunda metade do filme, quando a violência desponta e o desnorte se apodera do jovem, entramos num patamar de demência raramente vista em filmes de guerra. A música original é densa e claustrofóbica e o trabalho de sonoplastia é de pura mestria (como quando o Florya fica surdo devido a uma explosão: o som que ouvimos é um som cavo e filtrado, tal e qual o que o protagonista sentia).
E depois, depois há o final. Um final absolutamente surpreendente e apocalíptico, que não deixa margens para dúvidas: Elem Klimov fez um filme para denunciar a tragédia do Holocausto e revelar ao mundo a pura e dura natureza malévola do homem. Esse final, de alguns minutos sufocantes, é constituído por momentos de grande tensão dramática, com o jovem Florya, possesso de raiva, rosto envelhecido e revoltado perante as atrocidades que não compreendia, dispara contra um quadro de Hilter estendido no meio da lama. Ouve-se o "Requiem" de Mozart e vemos as imagens de arquivo da ascensão do Nazismo fazerem um retrocesso no tempo, ao ritmo dos disparos de Florya. "Vem e Vê" é uma experiência de cinema verdadeiramente arrebatadora e difícil de suplantar. E será certamente um dos melhores filmes de guerra jamais feitos. Uma obra-prima de rara beleza estética, artística e de inequívoca grandeza documental/histórica.
Victor Afonso
Victor Afonso, 41 anos, natural do Sabugal, residente na Guarda. Professor de Educação Musical. Há dez anos que se dedica a tempo inteiro à Programação Cultural e coordena, há 5 anos, o Serviço Educativo do Teatro Municipal da Guarda. É músico (projecto Kubik) e foi jornalista freelancer em matéria de assuntos culturais durante 15 anos. É autor do blog O Homem Que Sabia Demasiado desde Novembro de 2007, dedicado a uma grande diversidade de temas culturais, com especial enfoque no cinema, música e literatura.
(trailer sem som por problemas de direitos)
FICHA TÉCNICA
Título Original: Idi i smotri
Título português: Vem e Vê
Realização: Elem Klimov
Argumento: Ales Adamovich, Elem Klimov
Direcção de Fotografia: Alexey Rodionov
Música: Oleg Yanchenko
Montagem: Valeriya Belova
Interpretação: Alexey Kravchenko, Olga Mironova, Lyubomiras Lautsyavitchus, Vladas Bagdonas, Yurs Lumiste, Victor Lorents, Kazimir Rabetsky, Evgheniy Tilicheev, Alexander Berda
Origem: URSS
Ano de Estreia: 1985
Duração: 145’
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